segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Problemas! Ó, mundo! Como tu tens problemas! Se falha a luz, tudo dá errado. Itaipu fica inativa por algumas horas, e metade do país sem energia elétrica. Bendita eletricidade, esse é o caos que todos merecem. As crianças recém nascidas morrem, os sorvetes derretem...

Barro

Por quanto tempo me escondi do mundo? Envolvido num sopro de vento, por quanto tempo deixei de ser sopro para ser vento? Agora que percebi como minha constituição se assemelha a terra, ao pó, argila, não posso deixar de querer derramar água em mim. Talvez assim eu pudesse me tornar um lindo vaso chinês, ou um muro rígido como meus ossos. Há dias que minha consistência é como carne crua de peixe, sem fibras e sem sabor. Noutros, tudo o que sei que sou, e o que não sei também, adquire formato sólido, transparente e muito atraente. Posso mastigar meus pensamentos sem me importar com meu corpo. Por quanto tempo me escondi do mundo, engolindo pensamentos como pedras improváveis de se triturar? Como uma mente que se liquefaz por dentro do corpo, escorre junto ao sangue, e se expele com a urina, tudo estava escondido. As minhas janelas produziam uma penumbra imensa dentro de minha carne. Sobre as minhas duas esferas negras, as cortinas permaneciam intactas e frias. O sol, enfim, não podia alcançar a lã do tapete, tampouco meus dedos que descansavam sobre uma cama vazia, sozinha. Então, subitamente, algo acontece que me torna menos eu, menos indivíduo. Torno-me amplo como o céu da Turquia, branco como o gelo da Antártida. Isso só me remete a uma explicação: meu ser, mais do que nunca, necessita sentir o outro, não mais basta ser tão único. Ao pensar, meu ser torna-se um grão de terra seco. Ao sentir, com a água que é minha amada, torna-se barro.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

pós-leitura...

Ser um corpo único.
Por que será que a ideia de sermos um corpo só nos amedronta?
Nesta linha de mistério que isola nosso corpo, e que sempre nos surpreende, encontrar na figura exterior reflexos da figura interior é existir?
Mas o corpo, o corpo, é menor que o pensamento.
Então por quê querer ter mais liberdade do que se tem?
Eu me canso pois não consigo parar de ser.
Minha condição é tão pequena, enquanto a condição sua é tão maior que a minha, por ser parte de um Universo externo, onde a condição é tão grande que nem se chama condição.
Será que é possível achar uma cura para a condição?
Ou melhor, é possível encontrar a cura para o medo da condição?
Afinal, de que vale ser assim tão sensato?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Roteiro - Meditação

(A cena tem início num quarto modesto, bem mobiliado. Um homem abre a porta e adentra no recinto, ele não parece ter pressa ao despir-se, suas ações são vagarosas e precisas. Ele tira toda a roupa e senta-se encostado a parede do quarto, e posta a sua frente um enorme livro, do qual lê alguns versos. Cruza as pernas, deixa a coluna ereta e respira profundamente durante alguns minutos, em profundo silêncio.)

(Uma voz masculina, sua voz interior, narra então os pensamentos sobre os quais o homem reflete:)

- Meu trabalho agora é ser calmo, presto. Porque a felicidade é calma. Preciso acordar numa manhã de nuvens e gozar. E o gozo deve ser calmo. Quando é estrondoso, ansioso, agitado, o gozo se vai na mesma intensidade com que veio. Poderei eu sorver, em meu coração que se declamou, os prazeres múltiplos da vida, lentamente, como uma planta? Antes preciso ser como a planta. E a planta é calma, tão calma, que nós temos a impressão que ela está imóvel, estática. Mas eu não acredito nisso. Meu trabalho agora é produzir meu próprio alimento, e gozá-lo junto a quem quiser gozar comigo. Ser verdade. Existem tantas coisas que eu devo permitir e prosseguir, para alcançar o meu amor. E uma dessas coisas é o objeto desse amor, minha musa, minha deusa. Portanto, nesse momento de rebento, o melhor a se fazer é, unicamente, ter calma. Esqueça o elevador e concentre-se na escada. No elevador você desloca-se 60 metros apertando 1 simples botão. Mas isso é insubstancial quando se trata da construção do auto-amor, conhecimento e crescimento interior, pois um botão mágico é capaz de produzir um salto preguiçoso, irmão da covardia. Na escada, os 60 metros são expandidos como um gás, em forma de degraus pequenos, onde só cabe subir um pé por vez. Se for para começar, que comece assim: A todos que eu amo e são presentes, dádivas, dons, que eles possam fruir da mais completa e iluminada tranqüilidade, e da minha tranqüilidade e prazer. Pois é tranqüilo que o prazer deve ser consumado. Calmo como as árvores, ou as nuvens, ou a pedra, ou a água que corre no leito do rio. Se o momento é de rebento e palavras, meu trabalho agora é entender. Antes devo compreender que a energia amorosa é apenas a seiva que já deveria estar correndo em minhas veias. A mesma seiva que leva a glicose à extremidade mais aguda de uma árvore milenar. Eu preciso usar essa energia para buscar me amar. Eu preciso libertar meu amor de qualquer objeto, para que eu, posteriormente, o possua da forma mais plena e feliz comigo mesmo. Esse é o meu trabalho, agora que floresceu uma flor dentro de minha barriga. Esse amor é meu, é Deus. Devo compartilhá-lo. Devo torná-lo claro, energético. Não tenho tempo a perder, e preciso de muita fé. Como? Bastando para mim mesmo. Derramando meu espírito sobre a verdade universal, sobre a calmaria da escuridão que está acima de nós. Combatendo o caos eterno que vem sofrendo o nosso mundo. A partir de agora, devo proceder de forma a colorir meu corpo. Devo descobrir a doçura de cada sensação. Amar o prazer da simplicidade. Ter fé, acreditar por querer acreditar, sem exigir a comprovação milagrosa, nem os fundamentos dos ideais. Devo sentir cada vez mais tudo. Quando digo tudo, quero dizer tudo. Devo deixar de sofrer por mim me amando. Quero deixar de ser pequeno amando o enorme e poderoso amor do mundo, meu e dela.

(O homem abre os olhos. Sua expressão é de paz. Ele dá um discreto sorriso, levanta-se lentamente, veste-se e sai pela mesma porta que entrou. Na parede do quarto há uma foto de Osho.)

Roteiro - Jeguedê

Cena I

(Sítio rural. Noite. Um portão se abre. Escuro. Barulho de mato sendo pisado).

(Antes do rapaz bater na porta, ela se abre. Uma mulher enorme, de pele negra, visivelmente ançiã, surge).


- Pode entrar.
- Pai tá lá dentro?
- Entre, meu fio.

(Ele entra na casa).


- Tá escuro, mãe.
- Vá andando ali para aquela porta.

(Ela empurra seu braço).

(Eles caminham o trecho escuro de uma sala de estar rústica, mas bem organizada. Saem pela porta dos fundos. Ao lado esquerdo, quando pisam na varanda, está o velho numa cadeira de balanço, olhando a escuridão e contemplando o silêncio. O rapaz se aproxima).


- Benção, meu pai.

(O velho olha para o rosto do menino. Logo amacia sua expressão com muito contentamento).

- Abençoado, meu fio. Senta aqui perto do véio.
- Pai, vim vê o sinhô. Mãe disse que o sinhô anda estranho, não dorme mais na cama, só fica sentado nessa cadeira o tempo todo, como se estivesse esperando por alguma coisa.
- Meu fio.

(Ele fala bem vagarosamente).

- Tem uma hora na vida que o homem se aquieta.
- Como assim, pai?
- Um dia cê vai entender, fio. Presta atenção que tenho uma coisa pra te falar.
- Diga, painho, tô ouvindo.
- Quando eu me for, fio, você precisa ir num lugar.
- Num diga isso, meu pai. Que lugar é esse?
- Eu vou te dizer, você tem que ir no Jeguedê, fica longe, lá nos cafundó por detrás do morro, cruzando o rio, pra lá dos banco de areia.
- Pai, o que é o Jeguedê?
- É onde eu nasci, fio, no quilombo do Jeguedê.
- Mas quando eu chegar lá, o que é pra fazer?
- Ora, tu vai avisar que eu morri.

O rapaz abaixa o rosto em concordância, muito triste.


Cena II

(Uma longa estrada de interior. Tarde de sol. Asfalto pelando. O jovem está apenas no início da estrada. Ele caminha numa só marcha, com a coragem de quem foi incumbido de grande missão. Porém ele não sabe como é seu destino final, o Jeguedê. Ele confia apenas nas instruções do pai, que falecera dois dias antes. O funeral foi simples. Somente vizinhos e poucos amigos longuinquos surgiram. Entre eles um velho quase da mesma idade que seu pai).


Cena III

(Na ocasião do funeral, o velho amigo aproximou-se do jovem e disse:)


- Boa noite, meu fio. Deus abençoe você. O velho Barnabé era amigo de nós todos. Eu, no entanto, conheço ele a mais tempo que todos aqui. Nós viemos quando criança lá do lugar onde a gente morava. Começamos a plantar abóbora, melancia, cenoura, couve. Nos dia de feira, nós montavamos a barraca juntos.
- Eu me lembro do sinhô, Seu Abelardo.
- Seu pai era alguns anos mais velho que eu. Quando éramos jovens, nunca esqueci de uma coisa que ele me disse um dia, num momento conversávamos sobre meu véio pai. "Tem uma hora na vida que o homem se aquieta, Abelardo".
- Seu Abelardo, como é o lugar que vocês nasceram?
- Meu fio, só de lembra me dá um aperto nesse coração véio. Ainda sonho com aquele lugar todas as noites, fio. Foi lá que conheci minha mulher e tive o primeiro fio. Quando nos mudamos cá pra cidade, lembro dela carregando o bebê, tão pequeno, debaixo do braço. Mas depois tivemos mais oito.
- Oito!
- Nós viemos do quilombo do Jeguedê, meu fio. Lugar mais bonito e cheio de vida. Se eu pudesse escolher um lugar pra morrer, descansar de vez esse corpo que está vivo há 86 anos, seria lá no Jeguedê. Infelizmente não sei se isso vai acontecer, sabe. Para chegar lá o homem tem que fazer uma longa jornada, inclusive para dentro de si mesmo, o quê é a verdadeira jornada em si. Entende, fio?
- Sim, Seu Aberlardo.
- Tenho que me conformar que talvez eu esteja velho demais para outra jornada dessa. Enquanto isso, só posso continuar minhas visitas nos meus sonhos.
- Seu Abelardo.
- Diga, meu fio.
- Eu preciso ir no Jeguedê. Eu quero ir pra lá. Sinto que no final das contas lá não está tão distante de mim. Partirei daqui há dois dias, já está tudo planejado.
- Bendito seja você, moleque Francisco. Bendito seja.

(Seu Abelardo fixa seu olhar num horizonte distante e infinito, boquiaberto. Permanece assim por alguns segundos, e diz:)

- É Barnabé. Finalmente seu espírito vai voltar pra casa...

(Ele olha nos olhos do rapaz e dá um largo sorriso, quase sem nenhum dente na boca).

- ... e de uma vez por todas!


Cena IV

Uma trilha estreita corta uma mata densa que abriga sons e aromas nunca antes experimentados pelo rapaz. Francisco segue ligeiro e decidido, se esquivando dos ramos e folhagens. Logo ele alcança o fim da trilha de frente para um enorme rio, impossível de atravessar a nado, ele conclui. O rapaz alerta segue caminhando às margens. A noite vem e empurra o dia para o outro lado do mundo. Ele avista um ponto de luz distante e a persegue, logo constatando ser um lampião vindo de dentro de uma cabana. Perto da cabana, à beira do rio, está um pequeno cais de madeira, onde está amarrada uma jangada de porte médio, com capacidade para no máximo três pessoas. Ele sabe que sozinho seria impossível conduzir a embarcação até a outra margem. Ele espia pela janela o interior do barraco. Ao centro está uma mesa simples, com duas canecas amassadas de metal em cima. Rente à parede fica um pequeno móvel com três gavetas espaçosas e uma poltrona rústica, na qual ele decide sentar e aguardar o dono da cabana retornar. O rapaz está demasiado cansado para recusar um cochilo num lugar aquecido como aquele. Dentro de si ele nutre a expectativa de contar com a ajuda de alguém para a sua travessia. Ele sabe que para além do outro lado do rio estão os bancos de areia onde ele deve encontrar o local do Jeguedê. Após três dias de caminhada, faminto, inevitavelmente, ele adormece.

Roteiro - Jade

(A música “O Mundo é um Moinho”, de Cartola, toca num aparelho antigo de rádio sobre o criado mudo. Jade é uma mulher linda e muito misteriosa. O quarto é iluminado por uma tênue claridade, vinda do abajur ao lado de um homem novo e robusto. Ele está deitado na cama, coberto por um lençol até a altura das axilas. O enquadramento seguinte revela a visão do homem: um feixe de luz que mostra a silhueta do corpo de Jade, que está olhando através da janela, deslocando a cortina com sua mão esquerda. Ele chama seu nome, ela apenas vira a cabeça para ele, revelando a totalidade de sua beleza numa visão frontal de seu rosto e lateral de seu corpo, completamente nua).


- Jade.


(Ela tem um olhar sério e misterioso, muito atraente e encantador. Lentamente deita-se na cama com o rosto perto dele. Ele olha em seus olhos e ela sustenta o olhar. Ele permanece olhando fixamente, ela também, até o momento em que ela pisca rapidamente e desvia o olhar para um canto. Ele, sério, pergunta:


- Quem é você?


(Ela sente-se ofendida, é sua armadilha. Alguns segundos calada e diz:).


- Você não sabe?


(Ele pensa por alguns segundos e logo agita a cabeça de modo negativo. Ela deita-se de costas para ele, com a cabeça bem perto do rádio, e permanece pensativa, atenta à canção que diz:).

"Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés".


(Jade, sem olhar diretamente, apenas virando o rosto, pergunta:).


- Isso importa para você?
- É claro! Eu amo você.

(Ela olha para seus próprios olhos no espelho do teto, que reflete os dois deitados na cama).

- Amor.

(Ela olha para ele).

- É quem eu sou.

(Ela o beija)

(A camêra deixa de focalizar o beijo e lentamente desloca-se para o rádio, no instante que se encerra a canção).

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Roteiro - Fim de relacionamento (Graduação)

- Oi. O quê que foi?
- O quê que foi o quê?
- Que mensagem foi essa que você me mandou?
- É isso aí mesmo.
- E porque você nunca tentou me amar?
- Não sei explicar.
- Por que você nunca olha nos meus olhos?
- Como assim?
- Você nunca olha. Acho que você tem medo.
- Eu não sinto o mesmo que você sente por mim.
- Então porque me enganou por todo esse tempo? Você é muito mimada.
- Não, eu simplesmente sei muito bem o que eu quero.
- Então acabou?
- Do jeito que está não dá mais pra continuar.
- Você vai simplesmente desistir, você não percebe? Eu posso mudar, tudo pode mudar, mas você não quer mais isso, estou errado?
- Não.
- Eu quero estar do seu lado, eu te amo!
- A gente só precisa dar um tempo...
- Que tempo? Que tempo? Pra mim as coisas são aqui e agora. Eu pedi para você ontem: ou você se joga de vez para mim que estou aqui de braços abertos, com todo o meu amor para te oferecer, ou eu realmente acho que nós deveríamos terminar.
- Não dá mais.

(Silêncio)

- Vamos pedir a conta.
- Você não vai tomar seu caldo?
- Perdi a fome completamente
- Vamos embora?
- Você não tem mais nada para dizer?
- Não e você?
- Ao invés de "dizer", por quê você não experimenta, pelo menos uma vez na vida, sentir?
- Como você pode dizer uma coisa dessas?

(Silêncio)

- Vou embora.
- Eu te dou uma carona.
- Não precisa eu vou andando.
- Pô...

(Silêncio)

- Tudo bem, aceito a carona.

(Levantam-se)