segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Barro

Por quanto tempo me escondi do mundo? Envolvido num sopro de vento, por quanto tempo deixei de ser sopro para ser vento? Agora que percebi como minha constituição se assemelha a terra, ao pó, argila, não posso deixar de querer derramar água em mim. Talvez assim eu pudesse me tornar um lindo vaso chinês, ou um muro rígido como meus ossos. Há dias que minha consistência é como carne crua de peixe, sem fibras e sem sabor. Noutros, tudo o que sei que sou, e o que não sei também, adquire formato sólido, transparente e muito atraente. Posso mastigar meus pensamentos sem me importar com meu corpo. Por quanto tempo me escondi do mundo, engolindo pensamentos como pedras improváveis de se triturar? Como uma mente que se liquefaz por dentro do corpo, escorre junto ao sangue, e se expele com a urina, tudo estava escondido. As minhas janelas produziam uma penumbra imensa dentro de minha carne. Sobre as minhas duas esferas negras, as cortinas permaneciam intactas e frias. O sol, enfim, não podia alcançar a lã do tapete, tampouco meus dedos que descansavam sobre uma cama vazia, sozinha. Então, subitamente, algo acontece que me torna menos eu, menos indivíduo. Torno-me amplo como o céu da Turquia, branco como o gelo da Antártida. Isso só me remete a uma explicação: meu ser, mais do que nunca, necessita sentir o outro, não mais basta ser tão único. Ao pensar, meu ser torna-se um grão de terra seco. Ao sentir, com a água que é minha amada, torna-se barro.

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