segunda-feira, 6 de julho de 2009

Roteiro - "Um brinde à lama"

(Colorido) (Cena única com Flashback)

(A cena a seguir retratada acontece num boteco lotado, no período da noite, entre 8 e 10 horas. Os personagens são os compadres Almir e Cláudio, 42 e 43 respectivamente.)

(Almir se aproxima por entre as mesas. Cumprimenta seu compadre Cláudio, já sentado à mesa acompanhado por uma garrafa e um copo de cerveja pela metade. Almir se aproxima muito transtornado. Logo começa a desabafar.)


- Porra, Cláudio... Que merda...
- O que é isso, homem? Credo! Você parece esgotado, cara. Pegue um copo pra você! Senta aí!

(Almir senta-se olhando para todos os cantos da mesa, frenético.)

- Conte-me o que aconteceu, compadre!
- Você nem imagina...

Cláudio acende um cigarro.

– A Val acabou de me enxotar de casa. Deu-me um pé na bunda... Daqueles... Lógico que eu sai muito puto.

Almir olha para baixo. Cláudio estende a mão em sinal de apoio.

- Ela devia estar furiosa! O que você aprontou, seu cachorro?
- Cláudio, eu nem tive tempo de colocar uma roupa melhor! Esqueçi minhas chaves! Nem amarrei os cadarços direito!
- Mas isso tudo por causa de quê, porra?

Almir serve um copo cheio, dá um longo gole e o abandona lentamente na mesa. Cláudio percebe o silêncio.

- Digo... Por causa de quem?
- Ingrid...
- Sua secretária?
- Sim. A-minha-secretária.
- Caralho, Almir...
- Uma ninfeta, velho.
- Caralho, Almir.
- Pois é...

Neste ponto os dois compadres permanecem em silêncio por alguns minutos. Almir atento a fumaça do cigarro de Cláudio.

- E agora? - Cláudio interrompe.
- Não sei, me sinto estranho. Parece que descobri o quanto amo a Val.
- E o que vai fazer?
- Merda!

Almir chuta com o calcanhar uma cadeira vazia próxima.

- Me dei conta que a Valéria é a mulher da minha vida...

Ele puxa um longo trago arrependido. Os dois permanecem calados por alguns segundos. Almir a olhar tristemente para o centro de seu copo. Cláudio o observa, pensativo.

- E o que você pretende fazer a respeito?
- Não sei... Por enquanto minha única vontade é beber... –
- Ora, bebamos então, compadre!

Eles brindam os copos novamente cheios e tornam a virar de um gole só!

- Ah...!
- Ah...!
- Val...
- O que tem ela?
- Lembrei de um dia...
- Que dia?
- Tome, fume um cigarro.
- Pois sim, que dia?

Almir acende com um fósforo. Puxa um longo trago, em seguida solta a fumaceira toda. Cláudio, com a sinceridade de um amigo, retoma:

- Bom, um certo dia, na casa da melhor amiga dela, a Roberta, algo raro aconteceu...

O garçom surge e troca a garrafa vazia da mesa por uma cheia. Cláudio interrompe mas depois retoma.

- Era uma festa. Eu tinha sido convidado pela Val e você não quis ir comigo! Acho que nesse dia vocês estavam chateados, um com o outro.
- É, eu lembro. Nós tínhamos discutido a tarde toda por uma idiotice minha. E como foi a festa?
- Bem, não me lembro com detalhes, mas tinha cerveja e tequila de graça!
- É por isso que não te lembras! Conte-me logo por que esta estória te lembrou a Val?
- Calma! Eu já ia contar. A Valéria, visivelmente bêbada, simplesmente chegou para mim e disse:

(Flashback)

- “E aí, Cláudio! Veio com o Almir?”.
- "Não, ele preferiu ficar em casa hoje. Pediu pra você ligar pra ele mais tarde!"
- "Beleza! Eu vou ligar para aquele figura!"

Ela hesita, mas o álcool a denuncia:

- "Cláudio, diz pro Almir que eu o amo muito, mais que tudo, para caralho! Diz para ele que é o amor da minha vida!"
- "Eu sempre soube que vocês foram feitos um para o outro. Eu nunca vi o Almir dizer coisas que ele diz sobre você. Parece que ele gosta de deixar claro a todos o amor por você!", Cláudio diz com um sorriso enorme.
- "Espero que ele tenha certeza disso... Te vejo depois!"

Almir permanece pensativo.

- Ela sempre foi louca por você, Almir. Creio que ela pode perdoar você de alguma maneira.
- Mas que diabos você quer dizer com isso? Você pode fazer o tempo voltar atrás, e me dissuadir de me agarrar com minha secretária, ex, se eu um dia voltar com a Val.
- Calma... O que quero dizer é que uma garota de 19 anos pode não ser tão ameaçadora para uma mulher feita como a Val. Se você jurar que a ama e demonstrar ela certamente pensará a respeito. O que você acha?
- Sei lá, Cláudio... Ela parecia bem determinada...
- Todas parecem! No fundo ela gosta de você!
- Sei lá, Cláudio...

Outro gole em conjunto.

- Veja só. Você quer realmente terminar o casamento?
- Claro que não! Ela é a mulher da minha vida eu já disse, ou era... nada, pelo que me parece, pode mudar o que aconteceu hoje...
- Claro que pode!
- Como?!
- Você vacilou em deixá-la descobrir, Almir!
- Ainda não consigo ver nenhuma solução nisso.

Compadre Cláudio enche os copos.

- De uma forma ou de outra você vai ter que compensar o sofrimento dela para ser aceito de volta. Mulher nesse estado quer mais é ver o homem se jogando na lama por ela...
- Na lama?
- É. Para provar o seu valor! Isso faz sentido para elas.
- Valor? Valor de porco?
- É só assim que elas voltam. É, você sabe... logo vêm com aquele jeitinho mudado, provocante, resignado... E então tudo voltará ao normal!

Neste momento Almir olha ao longe e proclama:

- Farei tudo para provar meu valor!
- Ótimo! Eis então o que deves fazer...
- Diga lá, compadre!
- Tens que se jogar na lama e pedir pelo seu perdão!
- O quê? Isso não foi uma metáfora?
- No seu caso, meu querido, não é bem assim. Jogue-se bêbado e arrependido em seu canteiro no quintal! Você o regou ultimamente?
- Hoje mesmo, pela manhã, antes da Val acordar e ver a marca do batom da Ingrid em minha camisa branca... Parece coisa de novela das oito, hein?
- Sim. Em todo caso, deve haver lama o suficiente no seu quintal, Almir. Só o sofrimento constrói! Mas não se preocupe! Resta-nos agora a parte fácil do plano!
- Que parte? Que plano maluco é esse?!
- GARÇOM! Desce várias doses da branquinha aqui pro meu camarada! O mesmo para mim!
- Ora... Compadre... O que você pretende com isso...
- Salvar seu casamento, ora bolas! Vá atrás do seu amor! Ela o espera em casa!
- É...?
- É. Mas antes tome essa cachaçinha comigo, velho!

Cláudio cai na gargalhada.


- Tem razão... - Almir parece ter descoberto o fogo.
- Não tenho?! - Cláudio quase sem ar.
- Tem razão, Cláudio! Por Deus, Cláudio, acho que já entendi!
- Então se adiante, meu amigo! Um brinde à lama!
- Viva!

E brindam os copos num som de vidro trincado, seguido de um longo gole ardente.

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